sexta-feira, 13 de abril de 2012

_com a Fé

O mal de todo poeta é se vitimar
é sofrer pela matéria de sua escrita
amar, amar, amar e sangrar
Chora, o poeta, quand'é só o espelho qu'o fita.


O poeta é o bichinho que espera
corre atrás da carícia que ele dá
sem medida, sem limite, o poeta se esmera
e tanto ama que desaprende a não amar.

um dia o poeta se cansa, pois tudo cansa
mas até que o tédio o corroa e o despreze
o poeta ainda há de amar sua criança
por só querer que por sua alma ela ainda reze.


chora, poeta, toma teu copo e silencia
um dia tudo há de voltar ao que já foi
enquanto andas e escreves, a vida, fria
passa correndo e nem se lembra de dar oi.
e o que mais dói é que poeta sempre quer
aquele riso que daqui a pouco irá embora
o riso belo, a corrente sem elo, a menina mulher
o poeta ama e continua a amar a sua senhora.


mas ela veio, fez sorrir e já se vai
a voz de antes hoje é um mar que se calou
o toque d'outrora, agora se escorre e cai
o poeta nada num rio de quinze ondas que secou...

terça-feira, 10 de abril de 2012

_pare, seR

Tece, costureiro, tece a roupa dela
tece, oh, maldito, o manto macabro da morta
termina a tua obra, pendura na janela;
se não quiser trabalho, pendure ali na porta.
Esse é o manto que cobrirá minha filha
é esta a última roupa que ela vestirá.
este pano há de abraçar a coitadinha
a minha criança, que nunca mais me verá.

Eu outro dia tentei dormir sem ela
e começaram os passos lá na horta.
tremeu, a cama, vi apagar-se a vela
era minha filha, que voltava da tumba, torta.
Eis que o pavor me cercou, qual numa ilha
e toda a casa parecia respirar...
o lar das covas distava quase uma milha:
como tão rápido ela pôde aqui chegar?

E a defunta me invadiu o quarto.
venceu o terreno da fazenda num fôlego só
de tanto bater, meu coração parecia farto
vi nas suas mãos o podre e funesto pó.

Meu pai - ela me disse – eis que eu voltei
e sua boca sequer se moveu no momento
tens-me aqui, como a filha bastarda de um rei!
e em sua face, eu vi, impresso, o tormento.

E então a morta aconchegou-se em meu regaço:
Foi como se o inverno inteiro brotasse em mim.
e naquele eterno, estranho e gélido laço,
o meu abraço com a criança, não via fim.
E de repente eu acordei, pesado e sério
e entendi todo o meu sonho com pesar
em fato eu que me movera ao cemitério
e o cadáver de minha filha me pus a ninar.

domingo, 1 de abril de 2012

_soneto de possE

É meu, somente eu posso meter a mão;
no meu terreno só admito que eu pise
nem pense em tocar no meu sim, talvez, ou não
é dela o meu riso e o meu carinho, caso precise.
não venha você querer o riso dela
ele é meu, bem como o é todo o resto
não me obrigue a trancá-lo numa cela
até aprender a medir cada seu gesto.
portanto agora não a chame do que queira
pense bem antes em quem vai te ouvir falando
não tens pedaço, ela é minha, é inteira


estarei aqui, estarei aqui observando
se respiras o ar dela, se sentas em sua cadeira
eu sou a sombra que te segue, te estudando.

sábado, 28 de janeiro de 2012

_nossO

(E eu te peço ‘’vem pra cá

fica mais perto’’

não quero que o lado de lá

leve embora o seu toque certo)

traga, embrulhado, o seu beijo
presente eterno que de ti quero ganhar
deixa-me abrir essa caixa de desejo
olhar lá dentro e me esquecer de respirar


poema estranho, rima corrida
mas é correndo que eu quero você
quero te ver escrevendo minha vida
quero dar tchau pro medo de crescer

vem de mim, para mim e pra nós
vem dos muitos cantos dessa sala
em que ficou presa a nossa voz
e a pena na minha mão é o que fala


isso é nosso, amor, tudo o é.
o que eu escrevo, canto, o que eu grito
seu riso alto aqui é a minha fé
é a presença levando o conflito

termine tudo desde agora e me abrace:
não quero mais ter que deixar o seu olhar
quero seu rosto me encarando nesse enlace
toda você me mostrando o que é voar.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

_combinadO

Mãos vazias e boca quieta; ela chegou.
Olhava por baixo, como quem sabe não entender.
tornou-se, então, dona de tudo que fui e que sou
ganhou a corrida que eu nunca pensei em perder.
hoje está longe, não pode me ver e beijar.
Mas é perto que a penso e que a sinto.
Penso se me vê, se pensa em mim e onde está
lembro da boca e do beijo, em desejo, tinto.

cadê a voz, o mundo de sopro criado?
cadê o anjo sem asas e o abraço?
Do reino de agora eu sou o Rei calado
e a Rainha de mim afastou-se de meu laço.

Mas a manha do amanhã tão bem me pega
e as lembranças se convertem num mar real
em pleno fio da meada, seu olhar me cega
e o salão, antes silêncio, vira carnaval.
É dia de vê-la, dia de amor e de cantos
dia do prato que chega como na canção
dia de risos, de morte a todos os prantos
dia de fim, definindo o contrário do 'não'

e como 'sentido' e 'destino' se equiparam
(troque as letras de lugar para saber)
posso dizer que aqueles meus sonhos chegaram
(e a alma já bebe da calma, pois tenho você)
e em seu colo hei de contar os meus segredos
hei de tecer os escritos do livro primeiro
pois é no lar do seu riso que fogem os medos
é como se... seu abraço fosse o meu mundo inteiro.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

_telefonemA

choro. De saúde e de saudade
choro do tempo em que o tempo era neném
o tempo dele, do pai do irmão, da liberdade
tempo em que eu não precisava temer ninguém

choro pelo tempo que não ousa mais voltar
a meta, a metade, a moral, o abraço de pai.
o pai sem terno, o pai eterno, o aposentar
após sentar, ler a estória que o sono atrai.
a voz da criança travestida de senhor
voz que gritava o meu nome só pra me ver
voz que agora é calada no meu calor
que de novo tanto, como manto, queria ter.
a voz de paz, a voz de pais, a voz de avós
voz das idades num só corpo encarceradas
voz carregando o poder de oitenta e um nós
voz de ''tá tarde, volta pra casa'', voz de mãos dadas.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

_quartO

hoje um anjo dormiu em meu regaço
seu respirar embalou o anoitecer
sua voz, tão pouca, fez o coração crescer
e o seu corpo todo foi como um laço.

hoje um anjo disse que me amava
e que pouco amor nunca seria
e o meu tal anjo me beijava e me sorria
e o seu gosto de convite é o que ficava.
conforme a noite foi se avizinhando
meu sonho alado ainda mais dormiu
abraço de mãos sem asas: a dor sumiu
fiquei ali, o sono do anjo velando.

de repente o meu anjo abriu o olhar
e o quarto quase todo em mim girou
quantas idas, quanta vida ali se formou
e os cantos de encanto vieram a mim cativar.

hoje eu só temo que uma coisa aconteça
tremo em pensar que num dia não a veja
a alma grita, a alma escreve, a alma almeja:
o amor do anjo impede que eu pereça.
as palavras, a voz, o beijo e o riso
tudo do anjo é meu e meu apenas
sua dança nos ares, seu abraço de penas
de tudo que é dela é que eu preciso!

e a saudade já me bate assim que despeço
digo e peço ao tempo ''vá, sem demora''
eu peço e imploro, meu anjo ora
em nosso abraço há o pouco e o excesso.
então termino, meu anjo sem asas e céu
pedindo, dizendo, querendo e cantando
os verbos são muitos, mas me pergunto quando
serei eu de ti, sem horas, sem dores e véu.