terça-feira, 10 de abril de 2012

_pare, seR

Tece, costureiro, tece a roupa dela
tece, oh, maldito, o manto macabro da morta
termina a tua obra, pendura na janela;
se não quiser trabalho, pendure ali na porta.
Esse é o manto que cobrirá minha filha
é esta a última roupa que ela vestirá.
este pano há de abraçar a coitadinha
a minha criança, que nunca mais me verá.

Eu outro dia tentei dormir sem ela
e começaram os passos lá na horta.
tremeu, a cama, vi apagar-se a vela
era minha filha, que voltava da tumba, torta.
Eis que o pavor me cercou, qual numa ilha
e toda a casa parecia respirar...
o lar das covas distava quase uma milha:
como tão rápido ela pôde aqui chegar?

E a defunta me invadiu o quarto.
venceu o terreno da fazenda num fôlego só
de tanto bater, meu coração parecia farto
vi nas suas mãos o podre e funesto pó.

Meu pai - ela me disse – eis que eu voltei
e sua boca sequer se moveu no momento
tens-me aqui, como a filha bastarda de um rei!
e em sua face, eu vi, impresso, o tormento.

E então a morta aconchegou-se em meu regaço:
Foi como se o inverno inteiro brotasse em mim.
e naquele eterno, estranho e gélido laço,
o meu abraço com a criança, não via fim.
E de repente eu acordei, pesado e sério
e entendi todo o meu sonho com pesar
em fato eu que me movera ao cemitério
e o cadáver de minha filha me pus a ninar.

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