domingo, 19 de junho de 2011

_loas ao léu

E é agora que encaro o copo fundo

Que eu vejo o meu eu desaparecer:

Entendo a arte mais antiga do mundo

Milênios de copos, de cachaças, de beber.

Ergo a voz em plena taberna e berro

‘’amigos, nem tudo que reluz é ouro,

Como é certo que a gente n’é de ferro,

E que nem tudo que tem chifre é touro!”

Pedra dura e água mole tanto batem

Que é visão boa só pra quem gosta,

Bem como os cães que não mordem e só latem;

Em rio de piranhas, jacaré nada de costa!


A bebida age, tem as rédeas e vou ao banheiro

Nas paredes do antro eu vejo placas e escritos

Sobre o espelho, há escrito um verso inteiro

Paro p’ra ler e saio dali rindo aos gritos.

Dizia a inscrição mui bem bolada

Sob um aviso ‘’Favor deffecar na latrina’’

Em relação à letra ‘f’ duplicada

E eu bem ri como quem ri de sua sina


Eis o aviso:

“Quero saber o mequetrefe
que escreveu tal maravilha
Pois quem caga com dois éfes,
limpa o #$ com CE cedilha’’


E eu bem ri e a todos fui contando

Desesperado, como se o pai da forca fosse tirar

Todo o bar ria conforme eu ia gritando

‘’é hoje, amigos, que a cobra vai fumar!”

Então eu, dando ‘bom dia’ com chapéu alheio

Resolvi que meus amigos precisavam beber

Não tinha dinheiro sob minha posse, não havia meio.

Não tendo cão, com o gato deve-se proceder!

domingo, 12 de junho de 2011

_breve conto duma tarde domingueira

Castigue os pés e depois liberte-os: terás a felicidade barata!

Machado o disse pela voz de Brás Cubas; eu o digo pela voz de um comecinho de tarde de domingo, em que se sai para comprar cigarros, porque o seu irmão colocou um dinheirim na sua conta.

Nada de melhor há que isto. Voltar todo o trajeto qual antigo trem que, certo do caminho que traçará, só faz lançar espaças e esporádicas porções de fumaça ao ar.

Ê vida que segue, e sigo eu os segundos dela, ou ela me segue numa dança em que trocamos, vez ou outra, as funções de cada par.

Subo minha rua, vejo casais, vejo pessoas, vejo-me, então, em cada um que também me vê.

E neste instante, neste mundo que dura dois segundos, há a eternidade no piscar dos olhos; sou o cigarro no meu bolso, sou a fumaça no pulmão, sou o casal na calçada outra, sou a tarde que começa e o dia que termina. Sou tudo e todos em mim, e neles também eu sei que sou. Posso ser o frio ou o calor, a mentira ou a verdade, amar na mesma medida que odeio, sorrir no mesmo tom em que choro, canto o pranto.

Posso ser o que quiser, e, principalmente, o que não quiser. Mas antes de tudo isto, eu mesmo me abraço, ergo ao mundo a voz pra bradar, não me importa se ouvirão, porque o que quero, é o que já tenho; antes e depois de tudo, eu sou. Eu sou...

sexta-feira, 3 de junho de 2011

_farra

Eis que o acaso reservou belo presente

Num encontro tão fortuito quanto o do vento

Que nos toma sem que ao menos nossa mente

Saiba dizer em quantos mundos se divide um momento

Como quem sorri enquanto dorme ela surgiu

Numa esquina a mais do trajeto a encontrei

Numa curva do rio em que nado, ela, sutil

Cativou-me qual o Príncipe Pequeno que vira Rei.


Levou-me a algo ond’eu não era esperado

E lá fiquei, pois com ela estava o mundo.

Esmolando seus risos, o poeta ‘convidado’

Soava notas com sua flauta e seu querer profundo.


E é seu corpo desenhado que quero percorrer

Cada traço dela quero em mim, como um escrito

O céu laranja da madrugada diz que não posso ter

O que hoje vi e pareço querer em mim, admito!

‘’Farra’’, eis teu nome em sílabas invertido

E as lembranças daquela noite eu quero em mim.

Mas ainda mais, quero o que não foi dividido

O beijo de ambos, o gosto do riso, o dar-se sem fim.