sábado, 28 de maio de 2011

_identidade

Sou, pois, escravo daquilo que me urge;
E quando encaro os ponteiros que fogem no lugar,
É desespero e sede o que em mim surge
E atrás de tudo qu’inda não tive dano a voar.

Eu sou o frio em cujas mãos não há calores.
Sou o dono das vontades que gritam na mente.
No meu abraço, o apaixonado prova das dores
Que só em quimeras sob a terra o poeta sente.

Em minhas posses eu carrego a tormenta
E nos campos onde piso, tudo fenece.
Chamo-me Peste, mas meu canto acalenta
O que deixa de acordar e de tudo se esquece.

Muitas vidas neste globo eu já tive
Inúmeros rostos já assumi e nomes tantos
Que me cobiça o que só uma vida vive
E por mim clama, em todo perdido canto.

Mas a trova dura enquanto o bardo respira
E se o barco que se avizinha é de quem penso
Eis que chega com ele o fim do canto e da lira.
Nascerei de novo, em pranto muito maior... imenso.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

_espaço /1/2/

Confessa o poeta, dum tempo de tristeza
tempo à parte, onde ele em suspensão
vivia à margem de tudo, comia à mesa,
tristezas e golpes, estranh' amassado pão:
E ela não vê o mal que me faz
quando em frente de todos me rebaixa
joga no rosto de seu amado lembranças de trás
e na frente deles sou mais um quem ela marcha.

até quando não vais ver que estou ferido?
que me dói beber daquilo que você fala?
que no silêncio de nós dois eu sou querido,
mas aos olhos deles o seu amor se cala.

eu bem sei o peso que a palavra tem
afinal na letra eu também sei esculpir.
mexo em versos, encho universos, meu bem.
fecho-me em ira quando você só me quer pr'ouvir.
já não mais sei quais de mim estão expostos
seu lindo riso, antes comigo, agora é de mim;
em volta da mesa sou mais um no mar de rostos,
meu choro é só outro e você parece fazer não ter fim

[...]

quarta-feira, 4 de maio de 2011

_pio

Dá-me forças p'ra eu ser maior que eu
mostre saída a essas paredes de martírio.
Quero vencer como nenhum outro homem venceu:
Vem desnudar-me dessas roupas de delírio
Castigaram-me as costas com ofensas
e recebi uma coroa que não era minha.
Do céu me desceram acusadoras presenças,
fui feito Rei e ao meu lado não via Rainha.

Provei a dor de multidões 'inda não nascidas
e, de joelhos, a prece ouvida não era por mim.
Mãos e pés, costas e testa, só havia feridas:
o manto de dor, de erro e loucura não tinha seu fim.
Eis que então soltei o clamor em mim guardado
Reti a dor, verti o sangue, não ouvi meu 'ai':
"Estou eu aqui, tu me tens abandonado...
...que o céu que ri esconda a face de choro do Pai."